Nilce Braga: identidade, coragem e orgulho de ser negra

Quem já assistiu “O DIA EM QUE NOS TORNAMOS TERRORISTAS” tem no elenco a atriz Nilce Chaves Braga, 35 anos, maranhense, natural da cidade de Coroatá, formada em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Ela interpreta na série “Rosa Parks”. O “cast” consta, ainda, com Graco (Breno Nina),  Dyones (Diones Caldas) e Clarinha (Tássia Dur).

Mundana

Como uma boa cidadã do mundo, passou pela Venezuela, Uruguai, Argentina, Bolívia, Chile, Alemanha, França, Espanha, Portugual, Itália e Holanda.

Nilce Braga: Foto: Taciano Brito

Atualmente morando no Rio de Janeiro, ela se define como uma mulher metade “OYÁ”, metade “OXUM”, que preserva a menina moleca pra nunca deixar de ser menina. Nilce é dona de uma identidade firme e bem resolvida na vida. “Eu reconheço e amo a mulher negra que sou. Que precisa lutar e resistir neste mundo machista, racista”, relata.

No bate-papo informal com este BLOG, a jovem fala do desejo em fazer muito teatro, um cinema descolonizado, que dê protagonismo e representatividade a mulher negra, enfim, ao povo negro.

PEDRO SOBRINHO – A vontade em ser atriz vem do berço ?

Nilce Braga: Foto: Divulgação

NILCE BRAGA – É uma mistura do berço com a vontade própria em ser artista. Eu inventava histórias com mil personagens e brincava fazendo os mil personagens. Eu cresci cercada por artistas, principalmente por músicos. Pensando bem, fui influenciada pela minha família.

Meu pai era mestre da bateria da Turma da Mangueira – um bloco de carnaval de Coroatá que entoava as batucadas de índios da Região dos cocais, pelos quais ele sempre lutou para preservar, além de ser produtor e agente cultural na cidade recebendo em casa artistas como João do Vale, Pinduca, entre outros.

Ele também tinha uma radiola de reggae e sempre foi um grande apreciador da boa música e de filmes, assim como a minha mãe. Ela foi professora de artes e sempre apoiou os projetos culturais do meu pai.

Este movimento todo em casa, atrelado a programação da TV naquela época me despertava o desejo de ser artista um dia.

PEDRO SOBRINHO – Qual foi a tua primeira experiência como atriz ?

NILCE BRAGA – Os processos de investigação do ator, de criação, de descoberta, de construção de personagens e

NIlce Braga: Foto: Divulgação

espetáculos são experiências que antecedem a experiência de estar no espaço cênico da apresentação artística.

Eu falo sempre que a minha primeira experiência como atriz foi exatamente no momento em que me vi  investigando e  descobrindo enquanto atriz, tentando compreender o significado e a responsabilidade disto.

Mas, falando, especificamente, da primeira experiência que pode-se dizer como profissional foi no espetáculo infanto juvenil “A Vaca Lelé” da Cia. Tapete, Criações Cênicas em 2006, com direção do Urias de Oliveira.

PEDRO SOBRINHO – O que mais gosta de incursionar: pelo teatro ou o audiovisual ?

NILCE BRAGA – Amo dos dois. Os dois são desafios. Os dois me tiram da zona de conforto, mexem com as minhas estruturas, me proporcionam ser outra e trazem ao equilíbrio para encarar a vida. Fazem observar como um elemento constituinte das potentes ferramentas políticas sociais que são.

O Teatro continua sendo o lugar onde me encontro. O meu lugar de investigação, o lugar onde eu me observo com relação ao outro, ao mundo. Continua sendo o lugar onde os meus pensamentos se revigoram, o combustível que dá sentido a minha própria vida.

Mas, confesso que neste momento eu estou num processo de busca, de pesquisa e descobertas, narrativas, também, no campo do audiovisual, mais especificamente no âmbito do Cinema Negro, que fortemente me arrematou.

PEDRO SOBRINHO – O que fez deixar São Luís para correr o mundo ?

Nilce Braga: Foto: Divulgação

NILCE BRAGA – Os livros, os discos, reportagens na TV sobre outros países, a História. Eu sempre gostei muito de História. Desde cedo eu viajava nela; nos livros, nas canções em línguas estrangeiras e ficava imaginando os lugares e as pessoas, onde se fala tais línguas.

Eu queria ser artista e poder viajar o mundo trabalhando. Eu sabia que o mundo não se resumia apenas a Coroatá, São Luís, Maranhão.

Sempre me pulsou forte o desejo do encontro com outras terras, outras gentes, outras cores, sabores, outras culturas e etc. E quando cruzei a fronteira do Maranhão, pela primeira vez, a certeza de que cruzaria muitas no mundo só se confirmou ainda mais forte o que estava em minha imaginação.

Enquanto artista eu quis me desafiar e passar pela experiência de ser artista de rua, Mambembe. vivendo do fazer artístico mundo afora. A minha ânsia de artista em beber em outras fontes me fez amadurecer profissionalmente e como ser humano.

PEDRO SOBRINHO – Neste teu amadurecimento profissional e humano, o que você tira como lição para colocar em prática no seu dia a dia ?

NILCE BRAGA – Aprendi que nos distraímos demais com coisas desnecessárias. Que nos apegamos ao desnecessário. Que perdemos um tempo preciosíssimo com coisas inúteis.

É possível viajar com pouquíssimo ou sem nenhum dinheiro, que os encontros e as relações humanas podem se dá em outro nível de vínculo, baseado em solidariedade, afetos, carinhos, partilha, amor. Enfim, em valores que a humanidade, infelizmente, está perdendo, mas que são valiosos.

PEDRO SOBRINHO – São vários países do mundo visitados e curtidos. O que me chamou atenção foi a sua temporada na Venezuela, um país que vive conflito de uma ditadura política. Como foi conviver com essa realidade ? O que você fez por lá?

NILCE BRAGA – Eu sou dona do meu próprio destino sem

Nilce Braga. Foto: Taciano Brito

sentir-se acorrentada. É possível ser livre. Não lembro de ter sido tão feliz como fui quando saía as 4h30 da madrugada, em Valência, na Venezuela para trabalhar no semáforo e sentir que minha intervenção artística, ali, em meio aquele caos sitiado por tanta poluição nos mais variados sentidos rompia com a rotina.

Mesmo por 40 segundos daquelas pessoas de vidas apressadas, às 9h eu ia embora com o meu chapéu cheio. O que mais me realizava era o transbordar de alegria e satisfação que tomava conta pela consciência de ter gerado algo positivo naquelas pessoas e assim ir cumprindo minha tarefa de artista.

PEDRO SOBRINHO – Tudo são flores viver intensamente, correndo mundo ?

NILCE BRAGA – Não vou dizer que tudo são flores nas andanças mundo afora, sobretudo quando se é mulher e negra e se está sozinha. Muitos são os perigos. Mas a própria estrada te traz “feeling”, sagacidade, sabedoria e força para lidar com as situações.

Para mim, viajar é um ato político. É um alimento onde renovo forças para continuar em resistência como pessoa e artista.

PEDRO SOBRINHO – O DIA EM QUE NOS TORNAMOS TERRORISTAS é o teu primeiro trabalho como atriz no cinema?

NILCE BRAGA – Não. meu primeiro trabalho como atriz no cinema foi uma pequena participação no curta “PADRE NOSSO” de Joaquim Haickel.

PEDRO SOBRINHO – Fala da tua experiência neste filme, genuínamente, produzido e protagonizado por maranhenses ?

NILCE BRAGA – Sabemos que produzir audiovisual no Brasil não é nada fácil. E quando falamos do universo audiovisual no Maranhão a realidade, ainda, é mais complicada, visto que é uma área em processo de formação, de ascensão no sentido de produção, onde atualmente vemos algumas destas produções sendo possíveis devido a Lei do Audiovisual, e outras realizadas por pessoas com a vontade de fazer acontecer. Na guerrilha tentando e conseguindo produzir de forma independente.

Este projeto da série, por exemplo, só foi possível devido a provação e recebimento de recursos através da Lei do Audiovisual, cuja prorrogação foi vetada estes dias pelo Michel Temer, então a coisa vai ficar ainda pior.

Fazer parte do projeto da primeira série de TV maranhense em formato “roadmovie”, financiado por recursos públicos, (já é uma grande satisfação), abordando questões políticas sociais tão necessárias e forte, questões estas que fazem parte das minhas causas e lutas como pessoa e artista, rodada num momento tão delicado e intenso da política nacional, (afastamento da presidente Dilma Roussegg legitimamente eleita, posse de um golpista, manifestações pró-impeachment, derrocada de ministérios, ocupações dos prédios da Funarte…).

Tentar imprimir uma personagem chamada Rosa Parks carregada de empoderamento, consciência e também fragilidades que trouxesse representatividade e identificação às mulheres, principalmente às mulheres negras; integrante de um coletivo que tenta romper com as correntes do sistema.

Pra mim, representar os viajantes reais que de fato estão nas estradas sendo estes “terroristas”, foi um desafio, uma responsabilidade tremenda e motivo de orgulho. Um gigante exercício de paciência, de autocontrole, autoavaliação, diante a séria tarefa de compartilhar o mesmo objetivo com quatorze pessoas diferentes, quatorze universos totalmente diferentes em meio à contradições, perigos e riscos de morte.

Tudo é um processo de aprendizagem. Percebo que o audiovisual maranhense está neste processo, o que é imprescindível pro Estado se consolidar como uma grande potência neste setor.

Penso que o mais importante é exatamente isto, o que o foi gerado a partir da série, como a oportunidade de trabalho e desenvolvimento para profissionais de vários setores do audiovisual bem como de outras áreas; e o que pode ser gerado no sentido de incentivar novas produções no Maranhão neste formato; além do que esta produção pode instigar e provocar nas pessoas.

Eu me sinto honrada e muito contente, mesmo com todos os percalços, por fazer parte deste que não deixa de ser um marco no audiovisual maranhense.

PEDRO SOBRINHO – O que você está articulando pra manter a carreira como atriz em atividade num país em que viver de arte é sempre um desafio ?

NILCE BRAGA – O desafio da resistência! Ainda mais agora nestes tempos de retrocessos, de censura e criminalização da arte e dos artistas. Mas não nos renderemos, sigamos na luta.

Eu tenho projetos teatrais independentes (como sempre) em andamentos que envolvem questões de gênero e ocupações em outros Estados; feminino e ancestralidade africanq. E tem alguns projetos também independentes de audiovisual para o primeiro semestre do ano que vem, na busca da descolonização das telas, trazendo à elas protagonismo feminino negro.

PEDRO SOBRINHO – Como está colocada a mulher e o feminino no universo do cinema brasileiro ?

NIlce Braga: Foto: Divulgação

NILCE BRAGA – No cinema brasileiro a mulher está sob a perspectiva do olhar do homem, assim como o negro está sob a perspectiva do olhar do branco.

Se levarmos em consideração dados recentes coletados pela ANCINE (Agência Nacional do Cinema) sobre a participação de mulheres no audiovisual, veremos que somos 51% de mulheres, mas apenas 19% nos cargos de direção e 23% em roteiro, quando trazemos isto para âmbito racial, a questão fica ainda mais complicada, pois nós a população negra brasileira é aproximadamente 53%, mas o cinema não mostra esse cenário.

Em 2014 por exemplo foi realizada uma pesquisa para traçar o perfil de gênero e cor dos atores, diretores e roteiristas dos longas-metragens brasileiros de maior bilheteria entre 2002 e 2012, dos 218 longas-metragens analisados, quase 87% foram dirigidos por homens e pouco mais de 13% por mulheres, sendo que não há nenhuma mulher negra.

Estes resultados mostram que nosso cinema ainda é branco e masculino tanto dentro como fora das telas. Sendo o cinema, infelizmente, assim como diversas outras áreas ainda dominado pelos homens brancos, é claro que a mulher e o feminino são impressos no Cinema a partir do ponto de vista do homem, somos mais da metade da população e não nos vemos representadas.

Quem determina as narrativas não são as mulheres. Por isso não nos vemos representadas. A própria ANCINE/MINC na tentativa de equiparar esta situação, no último edital do audiovisual reservou um número de captação para produções só com mulheres.

Nós mulheres precisamos assumir as câmeras, assumir esta liderança. Penso que é uma questão de tempo, pois estamos na articulação e na luta. Estamos em vários setores do audiovisual, e vamos fazer filmes do ponto de vista das mulheres, e também das mulheres negras, as cineastas, roteiristas, realizadoras negras que existem e estão produzindo.

PEDRO SOBRINHO – Quem são as tuas fontes de inspiração?

NILCE BRAGA – São muitas. Mas vou puxar o saco para as mulheres negras que me inspiram… minha mãe, minhas tias Nena e Glória, Adelina – a charuteira, Aglutiné, Dandara, Maria Tereza de Benguela, Catarina Mina, as maravilhosas Lúcia Gato, Ruth de Sousa, Zezé Mota, Léa Garcia, Tina Turner, Rosa Parks, Angela Dives, Viola Dives.

Tem uma atriz incrível da nova geração, mas que tá aí há muito trabalhando, fez vários filmes e, infelizmente. o Brasil não conhece, uma negra maravilhosa Mariana Nunes.

Adélia Sampaio (primeira cineasta negra a dirigir um longa no Brasil). Viviane Ferreira (segunda cineasta negra a dirigir um longa no Brasil) Safy Fay (Senegalesa, mãe do cinema africano), Conceição Evaristo, Sueli Carneiro e tantas outras.

No Festival de Cinema negro Zózimo Bulbul, o destaque foi para as produções realizadas por mulheres. Existimos, estamos produzindo e terão que nos aceitar como fazedoras de cinema neste país.

PEDRO SOBRINHO – Atualmente, você mora no Rio de Janeiro. Como é o teu cotidiano na cidade ?

NILCE BRAGA – Aqui divido meu tempo entre os cursos e estudos na área de cinema e teatro. Vou a encontros e festivais de cinema e teatro, fazendo contato e conhecendo pessoas envolvidas com o Cinema Negro, elaborando e discutindo futuros projetos teatrais e de audiovisual com amigos e parceiros.

Participo de alguns trabalhos em cinema, dando aula de teatro para crianças na comunidade do Pereira, fazendo yoga, indo à feira da Glória aos domingos, andando de bondinho, apreciando a gostosura de viver em Santa Teresa, cozinhando, tomando uma brejinha no fim de semana, indo à praia.

PEDRO SOBRINHO – Além do prazer em viver no Rio de Janeiro, como você vê essa “cidade purgatório da beleza e do caos” ?

Nilce Braga. Foto: Divulgação

NILCE BRAGA – Triste a realidade de toda a violência e criminalidade que cerca o Rio de Janeiro. Mas ainda assim o Rio oferece uma infinidade de opções no sentido artístico, cultural e natural que é importante que se mantenha, e me encanta.

PEDRO SOBRINHO – Hoje vemos conquistas que ampliam liberdades de gênero, de sexualidade e, ao mesmo tempo, fortes reações a esses avanços. Não só no Brasil. Partidos e lideranças conservadoras vêm ganhando força mundo agora. Como vê estas ameaças a liberdades recém-conquistadas ?

NILCE BRAGA – Vejo com muita tristeza, indignação e inquietação, pois percebo que há uma certa ignorância por parte da população que se deixa levar pela onda de ódio que impera nestes movimentos que ameaçam tais conquistas, que custaram a luta de muitos, custaram a vida muitos que vieram antes.

Me parece que falta informação, falta instrução às pessoas, falta interesse na busca pelo conhecimento, mesmo com as possibilidades de acesso à informação que temos hoje, e isto é extremamente preocupante pois sem instrução, sem conhecimento, as pessoas são ainda mais vulneráveis à manipulação e voluntariamente se tornam “capitães do mato” apoiando e propagando de uma forma muito rápida e assustadoramente potente através da internet, discursos que castram a liberdade de pensamento e de expressão, fortalecendo assim tais movimentos.

Percebo que tais conquistas vem sendo ameaçadas pelo ódio e intolerância impregnados nestes discursos que não nos permitem conviver com o outro, reconhecer o outro, discutir saudavelmente, ter afeto pelo outro, respeitar a opinião do outro sem ofensas, sem agressividade, ‘é a minha ideologia que é a certa’, ‘é a minha religião que é a certa’, ‘é a minha sexualidade que é a certa’, tudo que é do outro está errado.  E aí ocorrem erros de retrocesso cultural, político, de direitos, e vão crescendo os avanços dos preconceito que já deveriam ser ultrapassados entre nós, “porque não somos CAPAZES respeitar a liberdade do outro.

É muito triste! Aí penso: o que estamos ensinando para nossas crianças? Que mundo queremos construir para nossos filhos? Não podemos permitir que estas conquistas sejam ameaçadas por esta tendência fascista que parece instaurada no mundo, e aí temos que ter muita força, sabedoria e criatividade para combatê-la e tentar desmontá-la, e aí me vem o suspiro que é a existência da Arte e outras ciências humanas que não permitem que todos nos deixemos levar por tal tendência, que não permitem unanimidades; que nos conecta com a sensibilidade, com afetos, com o amor e nos faz lutar e tentar preservar o senso de democracia de uma sociedade. É preciso estar atento e forte.

PEDRO SOBRINHO – Fernanda Montenegro disse em entrevista “que a cultura é uma espécie de fantasia para o político brasileiro, uma perda de tempo. Você sente também na pele o problema ?

NILCE BRAGA – Penso que pra alguns políticos brasileiros assim

Nilce Braga. Foto: Phil Pedroso

como para boa parte da população, sim, deve ser uma espécie de fantasia, perda de tempo.

Isto se dá pela falta ao acesso o que faz com que não haja a consciência de que não pode existir uma nação sem cultura. Acredito também que a maioria dos políticos tem esta consciência. Sabem que a cultura é uma forte ameaça a eles, e  aos seus planos. E exatamente por terem esta consciência fazem de tudo para que a população não tenha acesso a cultura, a informação.

A educação é o elemento constituinte de um povo, é a munição e poder para enfrentar a vida. E eles não querem que o povo tenha este poder, se não ele vai lá e se revolta contra eles. A arte como o seu poder de transformar é atingida por esta classe dominante e o artista como um agente transformador sente na pele a falta de incentivo às artes e à cultura.

PEDRO SOBRINHO – Mesmo distante, você se sente bm perto do movimento cultural no Maranhão, especialmente em São Luís, onde tudo começou na sua vida fazendo Artes Cênicas na Universidade Federal do Maranhão ?

NILCE BRAGA – O Maranhão é a terra onde fui gerada, nasci e cresci, (rsrsrsrs). É o lugar onde estão esparramadas as minhas raízes culturais, históricas e nem que eu queira, nunca sairá de mim.

Às vezes até sinto vontade de me desapegar por um tempo, literalmente, do Maranhão e me abrir a outros espaços, (rsrsrsrs). É impossível ! Esta terra de Incantaria está na minha pele, nos meus traços, no meu sotaque, no meu corpo, no meu histórico e identidade gerados e construído lá.

É uma sintonia natural, e claro que esta sintonia com o movimento cultural do meu Estado se dá por eu ser uma agente da cultura e meus primeiros passos dados no universo cultural e artístico foram no Maranhão.

E por ter consciência do poder da arte e da cultura, eu sempre estarei enaltecendo e valorizando os movimentos culturais do meu Estado; esteja eu aonde eu estiver, estarei sempre conectada ao Maranhão de alguma forma, vibrando para o desenvolvimento da minha gente e da minha terra.

PEDRO SOBRINHO – Você se define como uma menina negra do cabelo bombril, nascida no interior do Maranhão. Essa descoberta de ser negra se traduz apenas em momentos de dor, ou também em momentos de prazer ?

Nilce Braga. Foto: Divulgação

NILCE BRAGA – Na verdade não é uma autodefinição, assim me chamavam os coleguinhas quando crianças. Sofri muito “BULLYING” por ser negra do cabelo crespo, por ser magrela, por ser alta.

Mas, o que mais me pegavam no pé era por causa do cabelo. A minha mãe alisava meu cabelo acreditando que eu não iria sofrer, mas era inútil. Até que um dia disse a ela que não queria mais que alisasse meu cabelo, que eu gostava dele como ele era e queria assumir.

Este momento foi de aceitação e autoafirmação muito importante pra mim. Foi e é muito prazeroso enfiar minhas mãos no meu cabelo (rsrsrsrs).

É claro que ser mulher e negra neste país por um lado é muito pesado. É motivo de muita tristeza e luta, pelo machismo, pelo racismo, por todas as formas de violência as quais estamos vulneráveis.

Mas por outro lado carregar a força, a coragem, a identidade ancestral, cultural como herança de um povo guerreiro e resistente é motivo de muito orgulho. É necessário perceber esta herança, se reconhecer nela, reconhecer sua beleza e poder, e ter a consciência de tudo isto e se empoderar dela.

E cada vez que me reconheço na minha pele, nas minhas curvas, nos meus traços, no meu cabelo, que me reconheço Mulher, Negra. É muito prazeroso e de uma beleza sem tamanho; assim como quando me encontro numa situação de machismo, racismo ou outro tipo de violência, reconheço que preciso lutar contra isso.

Estes reconhecimentos são belos e prazeroso, assim como de se perceber em situações de tristeza e dor causadas por violência ou algum tipo de intolerância, é extremamente importante e necessário para que nós mulheres negras tenhamos consciência da nossa beleza, da nossa força, das nossas capacidades, das nossas causas, para nos empoderar, e assumirmos discursos e posturas políticas, nos mantendo firmes e resistentes na luta por igualdade.

 

 

Comentários Facebook

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *