A atriz maranhense, Lorena Garrido, faz parte do elenco da peça “O INCRÍVEL MUNDO DOS BALDIOS”, cuja estreia será no sábado, dia 3 de março, na Satyros Um – Praça Roosevelt, 214, São Paulo. Além disso, uma atriz transexual interpretará uma cantora maranhense. A temporada vai até 26 de agosto, com apresentações às quintas e sextas às 21h; sábados às 19h30 e 21h30; domingos às 19h30.
A pesquisa do elenco foi desenvolvida durante sete meses, a partir das experiências biográficas dos atuantes, que acabaram ecoando na proposta de dramaturgia de Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez.
Os atores mais antigos da companhia (Ivam Cabral, Gustavo Ferreira, Fabio Penna, Henrique Mello, Julia Bobrow, Lorena Garrido, Robson Catalunha e Sabrina Denobile) dividiram o processo com novos integrantes, como Roberto Francisco, ator idoso morador do Palacete dos Artistas; Junior Mazzine, egresso do sistema prisional; Oula al-Saghir, refugiada palestina recém-chegada ao país; Alex de Jesus, adolescente contemplado pelo projeto teen dos Satyros e egresso da Fundação Casa; e Márcia Dailyn, transexual e diva da Praça Roosevelt.
Do encontro destes artistas com biografias tão diversificadas, Os Satyros buscaram discutir as possibilidades de territórios humanizados pela partilha e confiança, a partir de estudos sobre os conceitos de Baldio, milagre e Teoria do Caos.
Baldios
“Baldio”, segundo o Dicionário Aurélio, é um adjetivo cujo significado é algo inútil, sem proveito e é utilizado basicamente para terrenos abandonados. Do ponto de vista capitalista, é “baldio” todo e qualquer grupo social que não faça
parte da força de trabalho utilizada com o fim de gerar lucro.
Transexuais, refugiados, idosos, negros, adolescentes em situação vulnerável e ex-detentos são grupos sociais que têm dificuldade de inserção na força econômica e social. Nesse sentido, Os Satyros se consideram tão baldios quanto esses
grupos e essa identificação é o que nos une: somos a escória econômica, que vive à sombra de um sistema que visa, acima de tudo, a geração de lucro.
No sentido português, no entanto, “baldios” eram os terrenos comunitários de pequenas vilas do interior de Portugal que eram utilizados para realizar várias ações comunitárias, tais como celebrações, hortas, festas e eventos culturais.
Os baldios portugueses eram os espaços do convívio social, da troca simbólica e cultural, do prazer da coletividade.
Os Satyros buscam fazer das suas ações na Praça Roosevelt um grande baldio, onde os mais diversos grupos sociais, vindos dos mais diversos pontos da cidade, podem se sentir acolhidos e o convívio social possa ser enriquecedor e respeitoso.
Através do jogo entre os dois significados dessa palavra, Os Satyros desenvolveram este projeto. Em áreas inusitadas, personagens de biografias bastante distintas se encontram. Do contato entre os diferentes, o espetáculo pretende discutir a possibilidade de diálogo em um mundo que se mostra, cada vez mais, carregado de polarizações e ódios estéreis, avesso aos opostos.
Os Satyros é baldio
Desde a sua fundação em 1989, Os Satyros tem se dedicado a ter em seus processos criativos artistas vindos de minorias silenciadas que, além de sua posição social historicamente vulnerável, foram alijados de qualquer acesso ao mundo teatral. A chegada dos Satyros à então deteriorada Praça Roosevelt, em 2000, aprofunda o interesse da companhia em abordar as questões dos grupos sociais subalternizados, transformando radicalmente a trajetória estética,do próprio coletivo.
Após pouco mais de dois anos em que Os Satyros estavam na Praça Roosevelt, travestis, traficantes, ex-presidiários e adolescentes carentes passaram a fazer parte do grupo em várias funções. Isso fez despertar no coletivo o interesse pelas questões desses grupos sociais, transformando-os em temas e parceiros da sua investigação teatral.
Foi neste contexto que a companhia integrou artistas transexuais (como Phedra de Córdoba e Savanah Meirelles), ex-traficantes, egressos do sistema prisional (como Léo Moreira Sá) e adolescentes da periferia (Emerson Fernandes).
Em 2006, o grupo monta “Joana Evangelista”, de Vange Leonel, e passa a desenvolver programas de trabalho com o movimento feminista. Durante alguns anos, Os Satyros cederam seus espaços pra reuniões do Grupo de Ação Lésbica Feminista, o GALF.
A partir de 2009, com o início das oficinas com adolescentes da rede pública de ensino, o coletivo passou a dialogar com um segmento invisível nos grandes meios de comunicação: os jovens em situação de risco.
Finalmente, em 2016, em outra vertente de trabalho, o grupo produziu o espetáculo “Haiti Somos Nós”, composto por um elenco de 20 refugiados haitianos. Desde então, vários haitianos vêm trabalhando com o coletivo.
Diante dessa vasta vivência com grupos socialmente vulneráveis, Os Satyros sentiram a necessidade de aprofundar um projeto que desse continuidade a essa investigação político-estética, contribuindo para o debate sobre os temas destas comunidades.
O crescimento da intolerância e da violência na sociedade brasileira contemporânea, a luta dos transgêneros, a ocupação das escolas públicas pelos adolescentes, a crise do sistema prisional, a xenofobia crescente da sociedade brasileira, a intolerância religiosa e as estatísticas alarmantes sobre a violência contra a mulher são mais do que justificativas para o engajamento dos Satyros neste projeto. Demonstram a urgência absoluta desta iniciativa teatral que também é política.
A Investigação sobre Milagres e a Teoria do Caos Para realizar este projeto, Os Satyros realizaram uma investigação sobre a Teoria do Caos e a questão do conceito de milagre, segundo os teóricos da filosofia, da teologia e da matemática.
O termo milagre se origina da palavra latina miraculum, que denota aquilo que provoca maravilha. Portanto, o milagre está intimamente ligado à ideia do extraordinário, do fora do comum, daquilo que está além de nossas expectativas. A discussão teológica cristã sobre esse conceito encontra em Santo Agostinho seu primeiro grande pensador.
Ele afirma em seus escritos que um milagre não é contrário à natureza, ele simplesmente está além do conhecimento humano sobre a natureza. Portanto, eles seriam possíveis pelas potencialidades naturais que são colocadas por Deus.
São Tomás de Aquino, expandindo as ideias de Santo Agostinho, afirma que o milagre seria algo que está além da ordem observada usualmente na natureza. Mas ele insistia que um milagre não é contra a natureza em nenhum sentido, posto que está na natureza de todas as criaturas serem respostas ao desejo divino.
O empiricista David Hume abordará o milagre de duas formas: como uma violação da lei natural ou, ainda, em uma segunda possibilidade, como uma transgressão de uma lei natural pela vontade específica de uma divindade ou pela interposição de um agente invisível. Hume considera esta uma contradição lógica insolúvel, pois ao tornar possível um milagre, a divindade estaria negando as leis naturais.
As polêmicas filosóficas e teológicas envolvendo a violabilidade das leis da natureza não estiveram presentes nos debates que o grupo desenvolveu sobre a questão do milagre.
O conceito de milagre que conduziu nossas pesquisas está relacionado à coincidências estatisticamente improváveis que, muitas vezes, modificam os nossos destinos. Não são quebras da lei natural, mas eventualidades que tem um impacto gigantesco em nossas vidas sem que possamos, de antemão, prevê-las.
Nesta perspectiva, fizemos uso de um ramo da matemática. A Teoria do Caos é interdisciplinar e trata da aparente arbitrariedade das condições iniciais desistemas caóticos complexos, que são descritos pelo efeito borboleta – “o bater
de asas de uma borboleta numa praia distante pode provocar um maremoto em outro ponto do planeta alguns meses depois”.
Uma pequena mudança no estágio inicial de um sistema pode trazer amplas modificações como resultado final. Essa teoria é muito utilizada em áreas tão díspares quanto a metereologia e a sociologia, a robótica e a biologia.
Na investigação do grupo, foi discutido como milagres – eventos extraordinários que podem determinar muitas das nossas experiências com o mundo, aproximando-nos de pessoas e situações inesperadas – mudam nossas trajetórias.
O Roteiro
Em uma noite de ano novo, um anjo circula pelo planeta Terra. Um peregrino busca atender as promessas de pessoas que esperam por milagres para suas vidas. Cinco lugares distintos propiciam os encontros das outras personagens.
Em uma casa de repouso, uma voluntária dá um banho em um velho palhaço adoentado. Em um ponto de ônibus, uma cantora maranhense conhece dois verdureiros evangélicos. Na quebrada, um segurança faz um plano com um amigo para enriquecer rapidamente. Em um cruzeiro, uma advogada bem sucedida vive seus últimos momentos ao lado de uma médica e um amigo. Em uma área de fumantes de um clube, uma refugiada palestina conhece umadolescente perdido.
Serviço
Espetáculo: O Incrível Mundo dos Baldios
Duração: 85 minutos
Local: Satyros Um – Praça Roosevelt, 214 – tel. 3258 6345
Dias: Quintas e sextas às 21h; sábados às 19h30 e 21h30; domingos às 19h30
Temporada: de 3 de março a 26 de agosto de 2018
Ingresso: R$ 20,00 (inteira) / R$ 10,00 (meia) / R$ 5,00 (moradores da Praça
Roosevelt)
Telefones para reservas: 3258 6345 / 3231 1954
Recomendação: Livre
Sinopse
Em uma noite de ano novo, um anjo circula pelo planeta Terra. Um peregrino busca atender as promessas de pessoas que esperam por milagres para suas vidas. Cinco lugares distintos propiciam os encontros das outras personagens.
Ficha Técnica
O Incrível Mundo dos Baldios
Texto: Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez
Direção: Rodolfo García Vázquez
Assistência de Direção: Emílio Rogê
Elenco:
Henrique Mello – Anjo
Ivam Cabral – Peregrino
Roberto Francisco – Palhaço
Julia Bobrow – Voluntária
Junior Mazzine – Segurança
Robson Catalunha – Amigo
Oula al-Saghir – Palestina
Alex de Jesus – Adolescente
Fabio Penna – Assistente
Lorena Garrido – Médica
Juliana Alonso – Advogada
Márcia Dailyn – Cantora
Gustavo Ferreira – Evangélico
Sabrina Denobile – Evangélica
Cenografia: Daniela Oliveira e Victor Paula
Design de aparência: Adriana Vaz e Rogerio Romualdo
Iluminação: Flávio Duarte e Rodolfo García Vázquez
Trilha Sonora: Henrique Mello, Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez
Dramaturgia Sonora: Maestro Marcello Amalfi
Vídeo e Programação Visual: Henrique Mello
Operação de Som e Vídeo: Dennys Leite
Operação de Luz: Flávio Duarte
Fotografias: Andre Stefano
Perucas: Lenin Cattai
Coordenação de Produção: Daniela Machado
Produção Executiva: Silvio Eduardo
Administração: Israel Silva
Realização: Cia. de Teatro Os Satyros